Breve análise do caso Elisabeth Von R. (Freud, 1893-1895) em relação aos textos técnicos de Freud


Em 1892 Freud inicia um tratamento com uma moça de 24 anos que sofre de dores nas pernas. Diz ser o primeiro tratamento de histeria que ele faz por completo; naquela época ele ainda se utiliza de alguns métodos que mais tarde abandona, como a hipnose, que, segundo diz mais de dez anos depois, funciona per via di porre, ou seja, por meio deste procedimento o médico acrescenta algo em vez de trazer para fora (1905), o que pode funcionar como sugestão e levar ao não entendimento do jogo psíquico de forças em questão e ao aparecimento de um substituto da doença. No entanto, a paciente algumas vezes “se opõe” a deixar-se hipnotizar e Freud empreende então com cuidado a investigação da história de Elisabeth por camadas, como que retirando-as aos poucos para chegar à gênese da neurose. Há ainda outra indicação a respeito da sugestão que diz que ela dificulta o manejo da transferência e, conseqüentemente, a superação das resistências (1912). No caso de Elisabeth, Freud ainda a coloca em situações projetadas, com o objetivo de despertar novas lembranças, pedindo que ela faça algumas coisas e se coloque em algumas situações fora de sessão.
Em Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise, Freud dá algumas instruções sobre o método; uma delas é que o analista não deve tomar nota durante as sessões. No caso em questão, ele afirma fazer algumas anotações acerca das lacunas que ficam no discurso da paciente, a fim de preenchê-las posteriormente para desvendar o que ficava oculto ao entendimento da doença. É preciso assinalar aqui que Elisabeth foi tratada quando Freud estava ainda no início de seus estudos, o que explica a contradição entre os textos. 
Em Sobre o início do tratamento, Freud comenta que a permanência em análise, bem como a procura por ela, é motivada pelo sofrimento e pelo desejo de ser curado. Este processo é demorado e custoso (1905), tanto para o paciente quanto para o médico; dado que as mudanças profundas na mente se processam em tempo longo, o paciente deve ser conscientizado sobre isso, sobre não esperar mudanças significativas em curto espaço de tempo, bem como deixado livre para interromper o tratamento a qualquer tempo (1913). Elisabeth foi alertada sobre o tratamento psíquico, já que estava em tratamento médico com um colega de Freud; foi preparada para iniciar a análise com explicações acerca do método enquanto fazia os outros procedimentos médicos. Ela se manteve em análise até que Freud finalizou, julgando estar curada; mesmo que os sintomas não tivessem desaparecido por completo, ele a encorajou a seguir pelo caminho que tinha se aberto em análise e a enfrentar suas preocupações com o futuro incerto, dizendo que a cura total se processaria com o tempo, já que não havia mais nada a investigar sobre os conflitos sentimentais que deram início à enfermidade.
Em Sobre a psicoterapia, Freud assinala que a Psicanálise é uma terapia baseada na concepção de que as representações inconscientes são a causa imediata dos sintomas patológicos e que, para a correção do desvio, é necessário que este material inconsciente venha à consciência; este desvendamento não se realiza senão sob uma resistência contínua por parte do paciente. No caso de Elisabeth, Freud não se refere nomeadamente à resistência como ligada à transferência, nem cita a última; porém, ele faz menção à dificuldade da paciente de falar tudo o que vinha à mente, quando o analista empreendia o método de pressão na cabeça; nestas ocasiões, ele notava que quando ela dizia não se lembrar de nada, sua aparência denunciava que isso não era verdade e que, talvez, ela julgasse que o que havia pensado não fosse importante ou fosse muito incômodo de dizer; Freud então passou a não aceitar a falta de conteúdos e a estimulá-la a contar tudo, assim como indica em Sobre o início do tratamento, quando diz que não se deve aceitar quando o paciente diz que não consegue pensar em nada para dizer. Ademais, todo o cuidado com o momento correto de transmitir as interpretações, indicado no mesmo texto, é visto durante todo o relato do caso Elisabeth.
Durante a análise, Freud chega à conclusão de que a doença da paciente era resultado de uma paixão pelo cunhado, relação esta que estava ligada a outros fatores, como a inveja que sentiu da irmã, o amor ao pai e à negação da feminilidade, o que a levava a ficar afastada de relações amorosas e reclusa em casa, totalmente voltada às dificuldades da família, primeiramente à doença do pai, depois da mãe e às relações das irmãs e também à morte da irmã. A doença então era uma saída aos conflitos psíquicos. Em Sobre a psicoterapia, Freud afirma que a questão sexual é a etiologia das neuroses, uma vez que este é um assunto que sofreu maior dano na evolução social, pela educação e cultura; mais uma vez, neste caso, vemos a veracidade desta afirmação, já que o sintoma de Elisabeth ligava-se ao fator sexual, que nada mais é que o conjunto de relações que uma pessoa tem na vida, ou seja, o amor, o gostar. A paciente tinha uma ligação estreita com o pai, que a considerava um amigo com quem podia conversar e a quem dizia que teria problemas em se casar, pelo seu temperamento; isso a levava por um caminho de negação à condição de mulher e de futura esposa. Com o surgimento de um cunhado que a confundiu com a irmã, sua noiva, e a quem lançou seu interesse, foi obrigada a renunciar ao desejo, reprimindo seus sentimentos de amor e ódio, voltando seu interesse aos cuidados com a família, pois já havia passado por uma situação em que o interesse amoroso por um homem culminou no agravamento da doença do pai. O sentimento de culpa pela morte da irmã, a quem amava, mas havia desejado que morresse para poder se casar com o cunhado, fez com que Elisabeth sofresse com as dores nas pernas, coisa que a impedia de prosseguir qualquer intento amoroso que tivesse.
Depois de um tempo, Freud tem notícias da melhora dela e de seu casamento, o que leva a crer na funcionalidade do método psicanalítico, mesmo ainda quando este não estava plenamente desenvolvido. O restante de indicações dadas nos textos técnicos dizem respeito a um longo processo de estudo, observação e prática psicanalítica, o que não exclui a necessidade de renovação constante por parte do analista, uma vez que cada analista é único e o método é apropriado à individualidade de Freud (1912), bem como à noção de que cada paciente também tem sua individualidade. Para lidar com as peculiaridades de uma análise, é preciso dar ouvidos às indicações de Freud (1905; 1912 e 1913) e trabalhar suas próprias resistências para poder lidar com o que se apresentará em análise.
Referências:
Recomendações aos Médicos que Exercem a Psicanálise (1912);
Sobre a Psicoterapia (1905);
Sobre o Início do Tratamento (1913).

3 comentários:

Unknown disse...

Mto bom texto, mas antes de tudo me chama a atenção todas as considerações que Freud faz sobre alertar o paciente sobre o tratamento, sobre um "tempo de cura", que pode sair a qq momento... posso até estar enganado, mas hoje isso tem outra cara, mtas vezes não se diz nada, é uma informação velada... se certo ou errado não sei, mas me chamou a atenção

Maria disse...

Na análise, juntamente com a anamnese, fazemos com o paciente um contrato que prevê todos os pontos importantes e que devem ser cumpridos. O paciente tem de se comprometer, bem como o analista a respeitar as regras que serão construídas juntas, mas é premissa, assim como o sigilo, a livre escolha do paciente.

Anônimo disse...

Muitas vezes, logo no início do tratamento, os pacientes relatam uma melhora... por se sentirem ouvidos, descarregados do peso daquilo que estava guardado, não sei. Me parece até que se pode dizer que é uma estratégia de resistência, para fins de conservação da doença. Nestes casos, costumo sempre ressaltar a importância de continuar a investigação, relembrar que grandes mudanças demandam um tempo maior, embora alguns apontamentos e atos tenham incidência sobre a doença de maneira rápida.