De uma prática não padronizada

Alguns analistas se preocupam em trabalhar de novas maneiras para dar conta das demandas da sociedade atual, a qual está firmada no imediatismo das coisas, na falta de tempo e na necessidade de resoluções instantâneas, onde os cidadãos se guiam por um modelo de saúde médico e, diga-se, onde a psicologia encontra aí seu lugar a responder com sua ciência para o bem estar dos indivíduos. 
Neste sentido, a Conversação de Barcelona sobre os efeitos terapêuticos rápidos teve um papel importante como uma discussão que refletiu sobre este mercado de “receitas prontas” para o sofrimento psíquico e teve como objetivo apresentar experiências clínicas que evidenciavam a eficácia da psicanálise para a diminuição do sofrimento, mesmo em um curto espaço de tratamento:

El lector de este volumen comprobará cómo puede deducirse una política del síntoma desde el rasgo más particular del caso clínico y argumentarse entonces el valor terapéutico del psicoanálisis de otro modo que con los falsos protocolos de cruces anónimas. A la gestión del malestar del sujeto que lo reduce a una variable numérica en el mercado de la salud, a la reducción del sufrimiento a una conducta o a una respuesta inadaptada, este volumen opone de manera radical el valor más particular del síntoma del sujeto sólo analizable desde el detalle clínico, nunca cuantificable, el único que puede orientar el tratamiento del sufrimiento del sujeto de un modo verdaderamente ético y eficaz. (MILLER, 2005; p.11)

Denunciam, assim, os métodos quantificáveis de avaliação do sujeito, como por exemplo, o manual diagnóstico usado por médicos e psicólogos para enquadramento dos sintomas em uma forma padrão, como se fosse possível medir, objetivar um sofrimento que desde nunca é mensurável, uma vez que se trata de algo, como a palavra mesmo quer dizer, “subjetivo”. Defendem um método de avaliação que se atém ao particular de cada caso, bem como ao particular de cada analista, como o próprio Freud nos indica, em Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise “... o que estou asseverando é que esta técnica é a única apropriada à minha individualidade; não me arrisco a negar que um médico constituído de modo inteiramente diferente possa ver-se levado a adotar atitude diferente em relação a seus pacientes e à tarefa que se lhe apresenta” (1912; p.66).
Este grupo, no meu entendimento, não quer fazer da psicanálise uma terapêutica aplicada a responder à demanda contemporânea, mas apenas coloca às vistas tudo aquilo que já estava à mão dos analistas sem, contudo, que se fizesse questão de trazer ao público resultados que pudessem contrapor aquela visão crítica das ciências contra a psicanálise: a de que ela só tem resultados a longos prazos. Assim, eles apresentam ali alguns casos de curta duração, alguns com vinte sessões, outro com três, mas em todos o que se pode ver é uma melhora terapêutica. A discussão gira em torno do método da psicanálise, do que foram estes tratamentos, quais os efeitos que se mostraram terapêuticos para os pacientes e, inclusive, da diferença de uma terapia breve e de um efeito terapêutico rápido. Para eles, uma terapia breve é um tanto perigosa, pois denuncia o furor sanandi, aquilo que Freud nos coloca como empecilho para o tratamento e que Lacan esclarece melhor, quando diz que a demanda do sujeito não deve ser respondida, apenas sustentada, sob o risco da psicanálise não ser mais psicanálise, mas outra coisa.
Em 1955, Lacan nos aponta, em seu texto Variantes do tratamento-padrão, que a psicanálise não é uma prática que pode ser padronizada, pois isto implica que uma determinada forma de ação seja melhor que a outra:

... a psicanálise não é uma terapêutica como as outras. Pois a rubrica variantes não quer dizer nem adaptação do tratamento, com base em critérios empíricos, nem digamos, clínicos, à variedade dos casos, nem uma referência às variáveis pelas quais se diferencia o campo da psicanálise, e sim uma preocupação, inquieta até, com a pureza nos meios e fins, que deixa pressagiar um status de qualidade melhor do que o rótulo aqui apresentado. Trata-se, sim, de um rigor de alguma forma ético, fora do qual qualquer tratamento, mesmo recheado de conhecimentos psicanalíticos, não pode ser senão psicoterapia. Esse rigor exigiria uma formalização, a nosso entender teórica, que não conseguiu satisfazer-se até hoje senão ao ser confundida com um formalismo prático, ou seja, com aquilo que se faz ou que não se faz. (1998; p.326)

Esta asserção corrobora a citação anterior de Freud, e nos diz que a eficácia psicanalítica depende, antes de qualquer coisa, da observação dos preceitos teóricos, que tem larga relevância sobre a ação fenomenológica em si. E para tanto, é imprescindível que o analista tenha passado pela experiência da análise para analisar, pois só se reconhece aquilo que já se conhece. Mas esta é outra tópica, que não é importante neste momento; por ora, quero dizer que Lacan termina este texto com a citação mesma de Freud (transcrita anteriormente), esclarecendo que a tentativa de padronização que ele intentou só pode ser feita nestes termos, de dizer que cada analista deve construir sua experiência em uma certa ignorância.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FREUD, Sigmund. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. Vol. XII, 1912. Versão digitalizada.
LACAN, Jacques. A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
MILLER, Jacques-Alain. Efectos terapéuticos rápidos: conversaciones clínicas con Jacques-Alain Miller en Barcelona. Buenos Aires: Paidós, 2005. 

Esboço complementar: da Estrutura Neurótica e sua relação com a Função Paterna

É conhecida a importância fundamental que exerce a função paterna para a estruturação psíquica. Aqui falarei desta relação com a Neurose; mas, o que se quer dizer quando se diz função paterna?
Não se trata aí de um pai real, mas de um pai simbólico, como desenvolve Lacan (1999, p.180), “a função do pai é ser um significante que substitui o primeiro significante introduzido na simbolização, o significante materno”. Ou seja, é uma metáfora, a metáfora paterna, que se situa no inconsciente; é esta metáfora que dá acesso ao Nome-do-Pai, como um significante precioso que dá acesso à Lei. É na maneira de se ter acesso e se relacionar com este significante que o sujeito escolhe, por assim dizer, sua neurose. Tentarei explicitar melhor a minha leitura sobre este processo.
A criança passa de um significante primeiro (mãe) para um significante secundário (pai), simbolizando aí que a mãe não está toda para ele, nem ele é todo para ela, que há um significado das ausências e presenças desta. A partir daí, emerge um sujeito implicado com o desejo da mãe, que é o desejo de Outra coisa; portanto, o Nome-do-Pai vem demarcar uma falta, onde a mãe não é um ser completo, ela é castrada. Ser castrada remete à diferença sexual e à idéia de que alguém, ao menos, tem o falo. Como este sujeito vai se posicionar frente a esta questão?
Que se perceba aqui que a questão está mais para o simbólico não exclui a consideração dos fenômenos para se chegar a um diagnóstico. Assim, Dor (1991, p.62) nos coloca que o Obsessivo teria se sentido demasiadamente amado pela mãe e a Histérica percebido este amor como falho, insuficiente. Todavia, o que se deve considerar como principal em um diagnóstico é a postura do sujeito frente ao mundo e suas relações. “A lógica da organização obsessiva se apóia neste dispositivo de suplência. (...) Não se trata, no caso, de uma suplência ao objeto do desejo da mãe (...) a criança só é convocada imaginariamente a suprir a satisfação do desejo materno” (p.63-64). Ou seja, ela se coloca em posição de satisfazer o desejo da mãe, mas não em posição de ser o objeto de desejo desta, o que implica em reconhecer a mensagem de insatisfação e, conseqüentemente, aderir à função paterna. Neste caso, o sujeito perceberia a mãe como direcionada ao pai, mas, ainda assim, insatisfeita, ocasionando um apelo à manutenção da identificação fálica e um eterno retorno nostálgico ao ser, nunca alcançado, mas sempre buscado.
Desta posição resulta todo o drama obsessivo, que ocupa um lugar de objeto de gozo do outro, ao mesmo tempo em que pode controlar para que este não lhe escape e assegure, assim, esta relação de “servidão voluntária”. Por conta disto é também que ele alimenta uma dimensão de rivalidade e competição para com as figuras substitutivas do pai; ele quer substituir o pai, ao mesmo tempo em que não pode o fazer, pois substituir o pai e assumir seu lugar junto à mãe seria um desejo incestuoso; isso o encerra num eterno confronto com a castração e também faz com que mantenha uma relação particular com a culpa, própria à estrutura.
Ainda segundo o mesmo autor, sujeitos histéricos são militantes do ter. Mas querer ter implica também um reconhecimento da castração e uma atribuição fálica ao pai; este, por sua vez, deve sempre provar que tem. A histérica, assim, interroga, contesta a posição do pai enquanto detentor do falo, pois se o tem, é porque privou a mãe; “esta contestação promove uma reivindicação permanente relativa ao fato de que a mãe também poderia tê-lo por direito” (p.68).
Nesta dinâmica, o sujeito histérico procuraria “conquistar o atributo do qual se considera injustamente desprovido” (p.69), fazendo todo um jogo de identificações com traços de outros que, assim como ele, também não possuem o falo e o reivindicam de alguém, pessoas em quem pode captar o mesmo enigma do desejo, de onde poderá ter uma idéia de como agir para conseguir o que quer. Aqui podemos entender melhor o desejo sempre insatisfeito na histeria, que precisa manter este movimento de busca, como que comprovando que não tem, mas poderia vir a ter o falo.
 
Referências:
DOR, Joel. O pai e sua função em psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

Esboço sobre a Transferência e seu manejo em Psicanálise

Lacan (1998), defende a idéia de que a transferência é uma atualização da realidade do inconsciente. Sendo o inconsciente organizado como uma linguagem, equivale dizer que ele é os efeitos da fala no sujeito. Mais além, Lacan nos diz que a realidade inconsciente é sexual. Portanto, é na relação analítica, no discurso analítico, que esta realidade inconsciente toma a forma de uma demanda. Esta demanda está intimamente ligada ao desejo, o desejo do analista.
Buscando outros autores para melhor entender do que se trata, assim se expressa Nasio (1999, p.65):

Todas as outras posições de que falamos – a pessoa, o Outro, o furo enquanto tal, o representante psíquico – são reconhecidas como posições determinantes por parte do analista, para constituir o elemento que atrai para si a transferência, que atrai para si a pulsão, fazendo-se cercado por ela ao deixá-la voltar ao seu ponto de partida. Todas essas posições são determinantes.

Para ele, o desejo é esta proposição de estar aberto, numa posição “ideal” que possibilite sua tomada pelo analisando como “um furo coberto por um falo imaginário”, à sorte de investimentos transferenciais, por assim dizer. Ele chega a definir mesmo o desejo do analista como um ponto de atração, que “provoca o desenvolvimento da transferência” (p.121). A partir daqui o analista está apto a encarnar o Sujeito Suposto Saber, o que é uma instância simbólica da autoridade, da detenção de um saber sobre a verdade do inconsciente, daquele ao-menos-um-que-sabe, típico da Neurose.

De fato, uma das discussões que pude apreciar em torno da transferência é justamente sobre saber de onde ela surge, se ela poderia existir fora de um contexto de análise. Esta interpretação de Nasio poderia deixar margens a pensar que, se é o desejo do analista que atrai a transferência, esta só ocorreria neste contexto; porém, atrair não é o mesmo que suscitar. Com Freud já tínhamos indícios de que ela está presente em várias situações e Lacan corrobora esta concepção:

Mesmo se devemos considerar a transferência como um produto da situação analítica, podemos dizer que esta situação não poderia criar o fenômeno todo, e que, para produzí-lo, é preciso que haja, fora dela, possibilidades já presentes às quais ela dará composição, talvez única. Isto não exclui de modo algum, onde não haja analista no horizonte, que ali possa haver, propriamente, efeitos de transferência exatamente estruturáveis como o jogo da transferência na análise (1998, p.120).

A transferência não é, portanto, um produto exclusivo da análise, mas, a partir daquilo que se definiu como “ponto de atração”, ou desejo do analista, torna-se dever deste saber manejá-la para possibilitar o analisando a entrada em análise. A partir desta disposição, da encarnação do Sujeito Suposto Saber, que está enlaçado estreitamente ao estabelecimento da transferência, o analisando poderá dirigir suas demandas de amor ao analista, não ao analista pessoa, mas este Outro que ele representa. Neste ponto ainda estamos situados num início de tratamento.
Miller (1997, p.232) nos fala igualmente, mas sob outros termos, acerca do Suposto Saber, vinculando-o com a ignorância, como sendo aquilo que o analista finge não saber, esquece para dar lugar à fala do paciente, ao novo; é a partir desta posição, segundo ele, que o analista pode fazer entender que não sabe de antemão o que o paciente quer dizer, e que, por isto, pensa que talvez este possa estar querendo dizer outra coisa. É por ainda colocar o analista neste lugar de saber, que é possível uma retificação subjetiva. O analista se faz de bobo, fingindo nada saber sobre o que o paciente diz; este, por sua vez, ainda não tendo destituído o Mestre, aceita a "sugestão". Aqui entra em cena o mal-entendido, como aquilo que torna possível escutar além do que se diz, aquilo que se quer dizer e o que, ainda, instaura uma questão.
Quinet (2005), aponta esta questão como sendo o “Che vuoi?” de Lacan, que é traduzido como “que queres?”, no sentido do que o paciente deseja. À página 23, nos diz: “a base da estratégia do analista na direção da análise se refere à transferência, à qual o diagnóstico deve estar condicionado”. Para tanto, é necessário localizar a forma de Gozo do sujeito; para o obsessivo, o Outro goza, se situando numa posição de escravo. Ele tenta enganar o senhor, mas acaba se tapeando a si mesmo, levando a marca do impossível na fantasia. Já na histeria, o Outro é o Outro do desejo, onde, ao mesmo tempo em que procura o que o Outro lhe deve, sabe que ele não tem; daí sua marca de insatisfação. Se coloca nas relações como objeto e não como sujeito, a culpa é sempre do Outro.
A respeito da transferência, Quinet nos indica que ela não é condicionada ou motivada pelo analista, mas que cabe a este saber utilizá-la. Coloca a transferência de saber, ou seja, o Sujeito Suposto Saber, como um erro subjetivo que é imanente à entrada em análise; este erro subjetivo penso tratar-se do mal-entendido de Lacan. A separação do Sujeito Suposto Saber da pessoa do analista seria um ponto de entrada em análise. Antes disso, assim se expressa sobre a retificação subjetiva:

Com o neurótico obsessivo, ela se situa no plano da retificação da causalidade, que se apresenta como conseqüência: sua impossibilidade de agir que é correlata à sua modalidade de sustentação do desejo como impossível. (...) Com a histérica, a retificação subjetiva visa à implicação do sujeito em sua reivindicação dirigida ao Outro, fazendo-o passar da posição de vítima sacrificada à de agente da intriga da qual se queixa, e que sustenta seu desejo na insatisfação. (p.33-34)

A questão a que o paciente deve chegar então deve ser a de querer saber sobre seu desejo. 
A demanda do neurótico passará de uma demanda de saber a uma demanda de amor; ele quer para si um saber sobre seu sintoma, o saber que supõe no analista; a partir da retificação subjetiva, implica-se aí um sujeito que tem seu papel para a manutenção da economia de gozo. Inicialmente, todo o trabalho das entrevistas preliminares deve ser o de levar o paciente a querer saber; tanto o obsessivo quanto o histérico devem enxergar sua participação no sintoma de qual se queixam. A partir de onde podem saber disso, significa que há entrada em análise.
Sobre o progresso de uma análise - além de sua entrada e final - Freud se pronuncia a respeito, quando faz a comparação da Psicanálise com o jogo de xadrez: “todo aquele que espera aprender o nobre jogo de xadrez nos livros, cedo descobrirá que somente as aberturas e os finais dos jogos admitem uma apresentação sistemática exaustiva e que a infinita variedade das jogadas que se desenvolvem após a abertura desafia qualquer descrição deste tipo (apud QUINET, 2005; p.27).
Referências:
FREUD, Sigmund. A dinâmica da transferência (1912). In: O caso Schereber, artigos sobre técnica e outros trabalhos, vol. XII. Versão digitalizada.
LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
MILLER, Jacques-Alain. Lacan elucidado: palestras no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. Versão on-line, disponível em: E-book
NASIO, Juan-David. Como trabalha um psicanalista? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
QUINET, Antonio. As 4+1 condições de análise. 10 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

Discussão do Caso Dora (1901-1905)

CASO CLÍNICO
Em outubro de 1900, Freud inicia a análise de Dora, uma moça de 18 anos que foi levada pelo pai para tratamento de sintomas que não tinham explicação médica.O pai havia sofrido de diversas enfermidades, consultando-se com Freud quatro anos antes.Dora começou a apresentar sintomas neuróticos aos oito anos, uma dispnéia crônica; aos 12 começou a sofrer de enxaquecas e de acessos de tosse nervosa; aos 16 a enxaqueca desapareceu, mas a tosse continuou, e quando começou o tratamento sofria de crises de tosse com perda da voz.
Também apresentava um desanimo, evitação dos contatos sociais, fadiga e falta de concentração, além de uma crise de apendicite em dado momento de sua história. Tratava-se de um caso de histeria.
O pai queixava-se de uma implicância que Dora tinha com o casal, amigo da família – Sr. e Sra. K –, insistindo para que cortassem relações, e queria que Freud induzisse Dora a deixar essa implicância de lado.
Dora, no decorrer da análise, relata essa implicância explicando que pensava que o pai tinha uma relação amorosa com a Sra. K, e que o Sr. K. tentava seduzi-la; ela se sentia usada pelo pai, que de certa forma, a oferecia ao Sr. K. para manter a relação com a Sra. K.
A análise durou três meses, sendo interrompida por Dora.
Freud escreve o caso em janeiro de 1901 e publica em 1905. Ele analisa o processo terapêutico observando que deixou lacunas nas interpretações e não soube manejar de forma satisfatória com a transferência. Reforça sua teoria da interpretação dos sonhos ao analisar dois sonhos da paciente que formam o pano de fundo interpretativo do tratamento.
DISCUSSÃO
Em Inibições, Sintomas e Ansiedade, Freud descreve como se dá a formação de sintomas na neurose e sua relação com as inibições e angústia. Se reposiciona sobre a questão da angústia, que agora ele entende como uma reação do Ego frente às situações de perigo e não mais como resultado da transformação direta da libido. Seu entendimento, assim, passa a ser que a angústia é propulsora do recalque e não mais resultante deste, uma vez que a libido é inconsciente e a angústia é um afeto egóico – é o sinal do desprazer defensivo, eliciado pelo Ego.
No capítulo V temos a afirmativa de que na histeria de conversão não há qualquer sinal de angústia uma vez que os sintomas são processos catexiais permanentes; como se toda energia tivesse sido usada para a conversão. Uma vez instalado o sintoma (que sempre tem relação com a experiência traumática) esta via serve como escape para diversos conteúdos conflitantes; ou seja, o mesmo sintoma pode estar relacionado a diferentes representações, pois estas vão mudando à medida que o quadro evolui. “Há, além disso, pouco a ser verificado na histeria de conversão da luta do ego contra o sintoma após a sua formação” (p.114; 1925-1926).
De acordo com esse processo de formação de sintomas na histeria, entendendo este como um processo patológico que modifica uma função, sua relação com a angústia, que é a “mola propulsora” para o recalque e, ainda, que a inibição é uma diminuição da função com o objetivo de reduzir o desprazer e que tem estreita relação com os conceitos anteriores, até por vezes sendo con-fundida com o sintoma, passo a descrever como se dá este processo no caso em questão.
Freud faz a análise com o objetivo de tornar consciente os processos que levam à formação de sintomas de Dora e, desta forma, removê-los e substituí-los por pensamentos conscientes; para tanto ele conclui que o trauma se estabelece a partir da experiência com o Sr. K, que por sua vez remonta à infância dela:
- Cena do beijo: Dora sente repugnância ao invés de excitação (o que Freud assinala que seria normal em uma adolescente virgem); aqui podemos perceber uma inversão de afeto e um deslocamento de sensação (repugnância-excitação; sensação desprazerosa no estômago-sensação genital, respectivamente); ainda desta cena resultou uma inibição, parecida com uma fobia, que era a aversão ao passar por qualquer homem que estivesse conversando com uma mulher animadamente. O sintoma aqui é demarcado pela inversão de afeto e pelo deslocamento de sensações; as inibições podem ser entendidas como o retraimento social (evitava contatos sociais antes estabelecidos, como o afastamento dos K e de situações como as descritas acima).
A conclusão a que Freud chega é que provavelmente ela tenha sentido a pressão do órgão masculino, que foi dissipada de sua memória e substituída pela pressão no estômago, o que caracteriza repressão e deslocamento; portanto, essas construções substitutivas tiveram objetivo de “guardar” Dora de remontar à percepção reprimida.
- Cena do lago: ao final da análise Freud descobre que esta cena aconteceu alguns dias depois de a governanta dos K ter contado à Dora sobre sua relação com o Sr. K e como ele a teria usado e feito promessas que não cumpriu; no passeio do lago, portanto, Dora esbofeteia o Sr. K porque os argumentos deste foram os mesmos proferidos à governanta, sendo que Dora se sente diminuída na mesma posição daquela, e ainda com ciúmes, sendo então a atitude tomada uma vingança contra o Sr. K, uma vez que ela esperava que ele se casasse com ela um dia.
- Primeiro sonho: “Uma casa estava em chamas. Meu pai encontrava-se de pé ao lado da minha cama e me despertou. Vesti-me rapidamente. Mamãe queria parar e salvar sua caixa de jóias, mas papai disse: ‘Recuso-me a deixar que eu e meus filhos sejamos queimados por causa de sua caixa de jóias’. Descemos apressadamente as escadas e logo que me encontrei fora da casa despertei”. Freud conclui que este sonho é uma reação à experiência no lago e à situação de Dora, que se encontrava na casa dos K, em um quarto onde o Sr. K tinha acesso, o que representava um perigo à sua virgindade (representada no sonho como a caixa de jóias); Dora recorre então ao pai, evocando seu amor infantil por ele, para se proteger do amor pelo Sr. K e o que isso poderia causar.
- Segundo sonho: “Eu caminhava a esmo por uma cidade desconhecida. As ruas e praças me eram estranhas. Cheguei, então, a uma casa que eu morava, fui para meu quarto e lá encontrei uma carta de mamãe. Esta dizia que, como eu saíra de casa sem o conhecimento de meus pais, ela não desejara escrever-me para contar que papai estava doente. ‘Agora ele está morto, e, se você quiser, pode voltar’. Dirigi-me então para a estação – ‘Bahnhof’ e indaguei umas cem vezes: ‘Onde fica a estação?’ E sempre me respondiam: ‘A cinco minutos daqui’. Vi a estação à minha frente, e nela penetrei, lá encontrando um homem a quem fiz a pergunta. Ele respondeu: ‘A duas horas e meia daqui’. Ele ofereceu-se para acompanhar-me mas recusei e continuei sozinha. Vi a estação à minha frente mas não consegui alcançá-la. Ao mesmo tempo, tive a mesma sensação de ansiedade que se experimenta nos sonhos quando não se consegue mover. A seguir, estava em casa. Devo ter viajado neste meio tempo, mas nada me recordo quanto a isso. Entrei no alojamento do porteiro, e perguntei por nosso apartamento. A criada abriu a porta e respondeu que mamãe e os outros já estavam no cemitério”. Freud conclui que este sonho denotava o desejo de vingança de Dora contra seu pai, por ele a ter usado para manter a relação com a Sra. K; Freud aponta aí o próprio desejo de Dora, pontuando que ela se deixou ficar nesta relação, que era favorável aos seus impulsos amorosos pelo Sr. K e também tinha responsabilidade. Ainda esclarece através deste sonho o sintoma da apendicite, que se configurou num castigo por ter lido na enciclopédia sobre questões sexuais quando foi se informar sobre a doença (Dora tinha conhecimentos avançados destas questões, o que era estranho para uma moça virgem); aqui mais uma vez pode-se perceber o mecanismo de formação do sintoma, através do recalque e do deslocamento. Ainda por este sintoma Dora realiza uma fantasia de parto, que está relacionada com seu afeto pelos filhos dos K e seu amor recalcado.
Ao final, Freud assinala o desejo homossexual inconsciente pela Sra. K, o que destaca como uma corrente de pensamento muito forte nos neuróticos, e que não pôde ser esclarecida, devido ao encerramento da análise. Dora, apesar de a Sra. K ter feito calúnias contra ela, a poupa de suas vinganças. Relacionando esta situação ao complexo edipiano, vemos a mãe de Dora como muito ausente na relação, como alguém que não exerce seu lugar de mãe e de esposa; por outro lado, vemos a Sra. K como a mulher que vem tomar este lugar (que seria da mãe), que é a mulher desejada pelo pai, sendo então uma figura propícia para a identificação de Dora, o que de fato acontece (Dora demarca com seus sintomas a necessidade de ser uma mulher acima da Sra. K, que sempre estava doente quando da presença do Sr. K; os sintomas dela vão em sentido contrário a isto, ficando doente quando o Sr. K não estava e estando disposta quando ele estava. Aqui Freud analisa a afonia de Dora, que ocorria quando o Sr. K estava ausente e se comunicava com ela por meio de cartas).
Decorrido um tempo do término da análise, Dora retorna ao consultório de Freud dizendo que seus sintomas haviam melhorado e que havia dado uma resolução para a situação em que se encontrava quando da análise.
Pode-se destacar aqui os sintomas de Dora como inibições impostas pela reação de recalcamento, a fim de evitar que certos conteúdos produzissem angústia são deslocados para uma via de escape no corpo; as inibições podem ser nomeadas como o isolamento, a evitação de certas situações, a afonia. O sintoma propriamente dito, e que é particular na histeria de conversão, é o deslocamento, pela ação do recalque, de conteúdos conflitantes para uma via somática; esta via, por sua vez, sempre tem relação com o trauma, como a tosse e o catarro neste caso, que eram uma formação remontante à masturbação infantil e à relação sexual, temas proibidos e que são passivos à ação superegóica.
Por fim, fica claro a ausência de angústia no caso da conversão; Dora não sente qualquer ansiedade consciente, sendo a procura pela análise resultado da intervenção do pai e de sua clara posição no seu meio, que mais fazem sofrer à família do que a ela propriamente.

Referência:
Inibições, Sintomas e Ansiedade, (1925-1926).

Breve análise do caso Elisabeth Von R. (Freud, 1893-1895) em relação aos textos técnicos de Freud


Em 1892 Freud inicia um tratamento com uma moça de 24 anos que sofre de dores nas pernas. Diz ser o primeiro tratamento de histeria que ele faz por completo; naquela época ele ainda se utiliza de alguns métodos que mais tarde abandona, como a hipnose, que, segundo diz mais de dez anos depois, funciona per via di porre, ou seja, por meio deste procedimento o médico acrescenta algo em vez de trazer para fora (1905), o que pode funcionar como sugestão e levar ao não entendimento do jogo psíquico de forças em questão e ao aparecimento de um substituto da doença. No entanto, a paciente algumas vezes “se opõe” a deixar-se hipnotizar e Freud empreende então com cuidado a investigação da história de Elisabeth por camadas, como que retirando-as aos poucos para chegar à gênese da neurose. Há ainda outra indicação a respeito da sugestão que diz que ela dificulta o manejo da transferência e, conseqüentemente, a superação das resistências (1912). No caso de Elisabeth, Freud ainda a coloca em situações projetadas, com o objetivo de despertar novas lembranças, pedindo que ela faça algumas coisas e se coloque em algumas situações fora de sessão.
Em Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise, Freud dá algumas instruções sobre o método; uma delas é que o analista não deve tomar nota durante as sessões. No caso em questão, ele afirma fazer algumas anotações acerca das lacunas que ficam no discurso da paciente, a fim de preenchê-las posteriormente para desvendar o que ficava oculto ao entendimento da doença. É preciso assinalar aqui que Elisabeth foi tratada quando Freud estava ainda no início de seus estudos, o que explica a contradição entre os textos. 
Em Sobre o início do tratamento, Freud comenta que a permanência em análise, bem como a procura por ela, é motivada pelo sofrimento e pelo desejo de ser curado. Este processo é demorado e custoso (1905), tanto para o paciente quanto para o médico; dado que as mudanças profundas na mente se processam em tempo longo, o paciente deve ser conscientizado sobre isso, sobre não esperar mudanças significativas em curto espaço de tempo, bem como deixado livre para interromper o tratamento a qualquer tempo (1913). Elisabeth foi alertada sobre o tratamento psíquico, já que estava em tratamento médico com um colega de Freud; foi preparada para iniciar a análise com explicações acerca do método enquanto fazia os outros procedimentos médicos. Ela se manteve em análise até que Freud finalizou, julgando estar curada; mesmo que os sintomas não tivessem desaparecido por completo, ele a encorajou a seguir pelo caminho que tinha se aberto em análise e a enfrentar suas preocupações com o futuro incerto, dizendo que a cura total se processaria com o tempo, já que não havia mais nada a investigar sobre os conflitos sentimentais que deram início à enfermidade.
Em Sobre a psicoterapia, Freud assinala que a Psicanálise é uma terapia baseada na concepção de que as representações inconscientes são a causa imediata dos sintomas patológicos e que, para a correção do desvio, é necessário que este material inconsciente venha à consciência; este desvendamento não se realiza senão sob uma resistência contínua por parte do paciente. No caso de Elisabeth, Freud não se refere nomeadamente à resistência como ligada à transferência, nem cita a última; porém, ele faz menção à dificuldade da paciente de falar tudo o que vinha à mente, quando o analista empreendia o método de pressão na cabeça; nestas ocasiões, ele notava que quando ela dizia não se lembrar de nada, sua aparência denunciava que isso não era verdade e que, talvez, ela julgasse que o que havia pensado não fosse importante ou fosse muito incômodo de dizer; Freud então passou a não aceitar a falta de conteúdos e a estimulá-la a contar tudo, assim como indica em Sobre o início do tratamento, quando diz que não se deve aceitar quando o paciente diz que não consegue pensar em nada para dizer. Ademais, todo o cuidado com o momento correto de transmitir as interpretações, indicado no mesmo texto, é visto durante todo o relato do caso Elisabeth.
Durante a análise, Freud chega à conclusão de que a doença da paciente era resultado de uma paixão pelo cunhado, relação esta que estava ligada a outros fatores, como a inveja que sentiu da irmã, o amor ao pai e à negação da feminilidade, o que a levava a ficar afastada de relações amorosas e reclusa em casa, totalmente voltada às dificuldades da família, primeiramente à doença do pai, depois da mãe e às relações das irmãs e também à morte da irmã. A doença então era uma saída aos conflitos psíquicos. Em Sobre a psicoterapia, Freud afirma que a questão sexual é a etiologia das neuroses, uma vez que este é um assunto que sofreu maior dano na evolução social, pela educação e cultura; mais uma vez, neste caso, vemos a veracidade desta afirmação, já que o sintoma de Elisabeth ligava-se ao fator sexual, que nada mais é que o conjunto de relações que uma pessoa tem na vida, ou seja, o amor, o gostar. A paciente tinha uma ligação estreita com o pai, que a considerava um amigo com quem podia conversar e a quem dizia que teria problemas em se casar, pelo seu temperamento; isso a levava por um caminho de negação à condição de mulher e de futura esposa. Com o surgimento de um cunhado que a confundiu com a irmã, sua noiva, e a quem lançou seu interesse, foi obrigada a renunciar ao desejo, reprimindo seus sentimentos de amor e ódio, voltando seu interesse aos cuidados com a família, pois já havia passado por uma situação em que o interesse amoroso por um homem culminou no agravamento da doença do pai. O sentimento de culpa pela morte da irmã, a quem amava, mas havia desejado que morresse para poder se casar com o cunhado, fez com que Elisabeth sofresse com as dores nas pernas, coisa que a impedia de prosseguir qualquer intento amoroso que tivesse.
Depois de um tempo, Freud tem notícias da melhora dela e de seu casamento, o que leva a crer na funcionalidade do método psicanalítico, mesmo ainda quando este não estava plenamente desenvolvido. O restante de indicações dadas nos textos técnicos dizem respeito a um longo processo de estudo, observação e prática psicanalítica, o que não exclui a necessidade de renovação constante por parte do analista, uma vez que cada analista é único e o método é apropriado à individualidade de Freud (1912), bem como à noção de que cada paciente também tem sua individualidade. Para lidar com as peculiaridades de uma análise, é preciso dar ouvidos às indicações de Freud (1905; 1912 e 1913) e trabalhar suas próprias resistências para poder lidar com o que se apresentará em análise.
Referências:
Recomendações aos Médicos que Exercem a Psicanálise (1912);
Sobre a Psicoterapia (1905);
Sobre o Início do Tratamento (1913).