Esboço complementar: da Estrutura Neurótica e sua relação com a Função Paterna

É conhecida a importância fundamental que exerce a função paterna para a estruturação psíquica. Aqui falarei desta relação com a Neurose; mas, o que se quer dizer quando se diz função paterna?
Não se trata aí de um pai real, mas de um pai simbólico, como desenvolve Lacan (1999, p.180), “a função do pai é ser um significante que substitui o primeiro significante introduzido na simbolização, o significante materno”. Ou seja, é uma metáfora, a metáfora paterna, que se situa no inconsciente; é esta metáfora que dá acesso ao Nome-do-Pai, como um significante precioso que dá acesso à Lei. É na maneira de se ter acesso e se relacionar com este significante que o sujeito escolhe, por assim dizer, sua neurose. Tentarei explicitar melhor a minha leitura sobre este processo.
A criança passa de um significante primeiro (mãe) para um significante secundário (pai), simbolizando aí que a mãe não está toda para ele, nem ele é todo para ela, que há um significado das ausências e presenças desta. A partir daí, emerge um sujeito implicado com o desejo da mãe, que é o desejo de Outra coisa; portanto, o Nome-do-Pai vem demarcar uma falta, onde a mãe não é um ser completo, ela é castrada. Ser castrada remete à diferença sexual e à idéia de que alguém, ao menos, tem o falo. Como este sujeito vai se posicionar frente a esta questão?
Que se perceba aqui que a questão está mais para o simbólico não exclui a consideração dos fenômenos para se chegar a um diagnóstico. Assim, Dor (1991, p.62) nos coloca que o Obsessivo teria se sentido demasiadamente amado pela mãe e a Histérica percebido este amor como falho, insuficiente. Todavia, o que se deve considerar como principal em um diagnóstico é a postura do sujeito frente ao mundo e suas relações. “A lógica da organização obsessiva se apóia neste dispositivo de suplência. (...) Não se trata, no caso, de uma suplência ao objeto do desejo da mãe (...) a criança só é convocada imaginariamente a suprir a satisfação do desejo materno” (p.63-64). Ou seja, ela se coloca em posição de satisfazer o desejo da mãe, mas não em posição de ser o objeto de desejo desta, o que implica em reconhecer a mensagem de insatisfação e, conseqüentemente, aderir à função paterna. Neste caso, o sujeito perceberia a mãe como direcionada ao pai, mas, ainda assim, insatisfeita, ocasionando um apelo à manutenção da identificação fálica e um eterno retorno nostálgico ao ser, nunca alcançado, mas sempre buscado.
Desta posição resulta todo o drama obsessivo, que ocupa um lugar de objeto de gozo do outro, ao mesmo tempo em que pode controlar para que este não lhe escape e assegure, assim, esta relação de “servidão voluntária”. Por conta disto é também que ele alimenta uma dimensão de rivalidade e competição para com as figuras substitutivas do pai; ele quer substituir o pai, ao mesmo tempo em que não pode o fazer, pois substituir o pai e assumir seu lugar junto à mãe seria um desejo incestuoso; isso o encerra num eterno confronto com a castração e também faz com que mantenha uma relação particular com a culpa, própria à estrutura.
Ainda segundo o mesmo autor, sujeitos histéricos são militantes do ter. Mas querer ter implica também um reconhecimento da castração e uma atribuição fálica ao pai; este, por sua vez, deve sempre provar que tem. A histérica, assim, interroga, contesta a posição do pai enquanto detentor do falo, pois se o tem, é porque privou a mãe; “esta contestação promove uma reivindicação permanente relativa ao fato de que a mãe também poderia tê-lo por direito” (p.68).
Nesta dinâmica, o sujeito histérico procuraria “conquistar o atributo do qual se considera injustamente desprovido” (p.69), fazendo todo um jogo de identificações com traços de outros que, assim como ele, também não possuem o falo e o reivindicam de alguém, pessoas em quem pode captar o mesmo enigma do desejo, de onde poderá ter uma idéia de como agir para conseguir o que quer. Aqui podemos entender melhor o desejo sempre insatisfeito na histeria, que precisa manter este movimento de busca, como que comprovando que não tem, mas poderia vir a ter o falo.
 
Referências:
DOR, Joel. O pai e sua função em psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

Esboço sobre a Transferência e seu manejo em Psicanálise

Lacan (1998), defende a idéia de que a transferência é uma atualização da realidade do inconsciente. Sendo o inconsciente organizado como uma linguagem, equivale dizer que ele é os efeitos da fala no sujeito. Mais além, Lacan nos diz que a realidade inconsciente é sexual. Portanto, é na relação analítica, no discurso analítico, que esta realidade inconsciente toma a forma de uma demanda. Esta demanda está intimamente ligada ao desejo, o desejo do analista.
Buscando outros autores para melhor entender do que se trata, assim se expressa Nasio (1999, p.65):

Todas as outras posições de que falamos – a pessoa, o Outro, o furo enquanto tal, o representante psíquico – são reconhecidas como posições determinantes por parte do analista, para constituir o elemento que atrai para si a transferência, que atrai para si a pulsão, fazendo-se cercado por ela ao deixá-la voltar ao seu ponto de partida. Todas essas posições são determinantes.

Para ele, o desejo é esta proposição de estar aberto, numa posição “ideal” que possibilite sua tomada pelo analisando como “um furo coberto por um falo imaginário”, à sorte de investimentos transferenciais, por assim dizer. Ele chega a definir mesmo o desejo do analista como um ponto de atração, que “provoca o desenvolvimento da transferência” (p.121). A partir daqui o analista está apto a encarnar o Sujeito Suposto Saber, o que é uma instância simbólica da autoridade, da detenção de um saber sobre a verdade do inconsciente, daquele ao-menos-um-que-sabe, típico da Neurose.

De fato, uma das discussões que pude apreciar em torno da transferência é justamente sobre saber de onde ela surge, se ela poderia existir fora de um contexto de análise. Esta interpretação de Nasio poderia deixar margens a pensar que, se é o desejo do analista que atrai a transferência, esta só ocorreria neste contexto; porém, atrair não é o mesmo que suscitar. Com Freud já tínhamos indícios de que ela está presente em várias situações e Lacan corrobora esta concepção:

Mesmo se devemos considerar a transferência como um produto da situação analítica, podemos dizer que esta situação não poderia criar o fenômeno todo, e que, para produzí-lo, é preciso que haja, fora dela, possibilidades já presentes às quais ela dará composição, talvez única. Isto não exclui de modo algum, onde não haja analista no horizonte, que ali possa haver, propriamente, efeitos de transferência exatamente estruturáveis como o jogo da transferência na análise (1998, p.120).

A transferência não é, portanto, um produto exclusivo da análise, mas, a partir daquilo que se definiu como “ponto de atração”, ou desejo do analista, torna-se dever deste saber manejá-la para possibilitar o analisando a entrada em análise. A partir desta disposição, da encarnação do Sujeito Suposto Saber, que está enlaçado estreitamente ao estabelecimento da transferência, o analisando poderá dirigir suas demandas de amor ao analista, não ao analista pessoa, mas este Outro que ele representa. Neste ponto ainda estamos situados num início de tratamento.
Miller (1997, p.232) nos fala igualmente, mas sob outros termos, acerca do Suposto Saber, vinculando-o com a ignorância, como sendo aquilo que o analista finge não saber, esquece para dar lugar à fala do paciente, ao novo; é a partir desta posição, segundo ele, que o analista pode fazer entender que não sabe de antemão o que o paciente quer dizer, e que, por isto, pensa que talvez este possa estar querendo dizer outra coisa. É por ainda colocar o analista neste lugar de saber, que é possível uma retificação subjetiva. O analista se faz de bobo, fingindo nada saber sobre o que o paciente diz; este, por sua vez, ainda não tendo destituído o Mestre, aceita a "sugestão". Aqui entra em cena o mal-entendido, como aquilo que torna possível escutar além do que se diz, aquilo que se quer dizer e o que, ainda, instaura uma questão.
Quinet (2005), aponta esta questão como sendo o “Che vuoi?” de Lacan, que é traduzido como “que queres?”, no sentido do que o paciente deseja. À página 23, nos diz: “a base da estratégia do analista na direção da análise se refere à transferência, à qual o diagnóstico deve estar condicionado”. Para tanto, é necessário localizar a forma de Gozo do sujeito; para o obsessivo, o Outro goza, se situando numa posição de escravo. Ele tenta enganar o senhor, mas acaba se tapeando a si mesmo, levando a marca do impossível na fantasia. Já na histeria, o Outro é o Outro do desejo, onde, ao mesmo tempo em que procura o que o Outro lhe deve, sabe que ele não tem; daí sua marca de insatisfação. Se coloca nas relações como objeto e não como sujeito, a culpa é sempre do Outro.
A respeito da transferência, Quinet nos indica que ela não é condicionada ou motivada pelo analista, mas que cabe a este saber utilizá-la. Coloca a transferência de saber, ou seja, o Sujeito Suposto Saber, como um erro subjetivo que é imanente à entrada em análise; este erro subjetivo penso tratar-se do mal-entendido de Lacan. A separação do Sujeito Suposto Saber da pessoa do analista seria um ponto de entrada em análise. Antes disso, assim se expressa sobre a retificação subjetiva:

Com o neurótico obsessivo, ela se situa no plano da retificação da causalidade, que se apresenta como conseqüência: sua impossibilidade de agir que é correlata à sua modalidade de sustentação do desejo como impossível. (...) Com a histérica, a retificação subjetiva visa à implicação do sujeito em sua reivindicação dirigida ao Outro, fazendo-o passar da posição de vítima sacrificada à de agente da intriga da qual se queixa, e que sustenta seu desejo na insatisfação. (p.33-34)

A questão a que o paciente deve chegar então deve ser a de querer saber sobre seu desejo. 
A demanda do neurótico passará de uma demanda de saber a uma demanda de amor; ele quer para si um saber sobre seu sintoma, o saber que supõe no analista; a partir da retificação subjetiva, implica-se aí um sujeito que tem seu papel para a manutenção da economia de gozo. Inicialmente, todo o trabalho das entrevistas preliminares deve ser o de levar o paciente a querer saber; tanto o obsessivo quanto o histérico devem enxergar sua participação no sintoma de qual se queixam. A partir de onde podem saber disso, significa que há entrada em análise.
Sobre o progresso de uma análise - além de sua entrada e final - Freud se pronuncia a respeito, quando faz a comparação da Psicanálise com o jogo de xadrez: “todo aquele que espera aprender o nobre jogo de xadrez nos livros, cedo descobrirá que somente as aberturas e os finais dos jogos admitem uma apresentação sistemática exaustiva e que a infinita variedade das jogadas que se desenvolvem após a abertura desafia qualquer descrição deste tipo (apud QUINET, 2005; p.27).
Referências:
FREUD, Sigmund. A dinâmica da transferência (1912). In: O caso Schereber, artigos sobre técnica e outros trabalhos, vol. XII. Versão digitalizada.
LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
MILLER, Jacques-Alain. Lacan elucidado: palestras no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. Versão on-line, disponível em: E-book
NASIO, Juan-David. Como trabalha um psicanalista? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
QUINET, Antonio. As 4+1 condições de análise. 10 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.