De uma prática não padronizada

Alguns analistas se preocupam em trabalhar de novas maneiras para dar conta das demandas da sociedade atual, a qual está firmada no imediatismo das coisas, na falta de tempo e na necessidade de resoluções instantâneas, onde os cidadãos se guiam por um modelo de saúde médico e, diga-se, onde a psicologia encontra aí seu lugar a responder com sua ciência para o bem estar dos indivíduos. 
Neste sentido, a Conversação de Barcelona sobre os efeitos terapêuticos rápidos teve um papel importante como uma discussão que refletiu sobre este mercado de “receitas prontas” para o sofrimento psíquico e teve como objetivo apresentar experiências clínicas que evidenciavam a eficácia da psicanálise para a diminuição do sofrimento, mesmo em um curto espaço de tratamento:

El lector de este volumen comprobará cómo puede deducirse una política del síntoma desde el rasgo más particular del caso clínico y argumentarse entonces el valor terapéutico del psicoanálisis de otro modo que con los falsos protocolos de cruces anónimas. A la gestión del malestar del sujeto que lo reduce a una variable numérica en el mercado de la salud, a la reducción del sufrimiento a una conducta o a una respuesta inadaptada, este volumen opone de manera radical el valor más particular del síntoma del sujeto sólo analizable desde el detalle clínico, nunca cuantificable, el único que puede orientar el tratamiento del sufrimiento del sujeto de un modo verdaderamente ético y eficaz. (MILLER, 2005; p.11)

Denunciam, assim, os métodos quantificáveis de avaliação do sujeito, como por exemplo, o manual diagnóstico usado por médicos e psicólogos para enquadramento dos sintomas em uma forma padrão, como se fosse possível medir, objetivar um sofrimento que desde nunca é mensurável, uma vez que se trata de algo, como a palavra mesmo quer dizer, “subjetivo”. Defendem um método de avaliação que se atém ao particular de cada caso, bem como ao particular de cada analista, como o próprio Freud nos indica, em Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise “... o que estou asseverando é que esta técnica é a única apropriada à minha individualidade; não me arrisco a negar que um médico constituído de modo inteiramente diferente possa ver-se levado a adotar atitude diferente em relação a seus pacientes e à tarefa que se lhe apresenta” (1912; p.66).
Este grupo, no meu entendimento, não quer fazer da psicanálise uma terapêutica aplicada a responder à demanda contemporânea, mas apenas coloca às vistas tudo aquilo que já estava à mão dos analistas sem, contudo, que se fizesse questão de trazer ao público resultados que pudessem contrapor aquela visão crítica das ciências contra a psicanálise: a de que ela só tem resultados a longos prazos. Assim, eles apresentam ali alguns casos de curta duração, alguns com vinte sessões, outro com três, mas em todos o que se pode ver é uma melhora terapêutica. A discussão gira em torno do método da psicanálise, do que foram estes tratamentos, quais os efeitos que se mostraram terapêuticos para os pacientes e, inclusive, da diferença de uma terapia breve e de um efeito terapêutico rápido. Para eles, uma terapia breve é um tanto perigosa, pois denuncia o furor sanandi, aquilo que Freud nos coloca como empecilho para o tratamento e que Lacan esclarece melhor, quando diz que a demanda do sujeito não deve ser respondida, apenas sustentada, sob o risco da psicanálise não ser mais psicanálise, mas outra coisa.
Em 1955, Lacan nos aponta, em seu texto Variantes do tratamento-padrão, que a psicanálise não é uma prática que pode ser padronizada, pois isto implica que uma determinada forma de ação seja melhor que a outra:

... a psicanálise não é uma terapêutica como as outras. Pois a rubrica variantes não quer dizer nem adaptação do tratamento, com base em critérios empíricos, nem digamos, clínicos, à variedade dos casos, nem uma referência às variáveis pelas quais se diferencia o campo da psicanálise, e sim uma preocupação, inquieta até, com a pureza nos meios e fins, que deixa pressagiar um status de qualidade melhor do que o rótulo aqui apresentado. Trata-se, sim, de um rigor de alguma forma ético, fora do qual qualquer tratamento, mesmo recheado de conhecimentos psicanalíticos, não pode ser senão psicoterapia. Esse rigor exigiria uma formalização, a nosso entender teórica, que não conseguiu satisfazer-se até hoje senão ao ser confundida com um formalismo prático, ou seja, com aquilo que se faz ou que não se faz. (1998; p.326)

Esta asserção corrobora a citação anterior de Freud, e nos diz que a eficácia psicanalítica depende, antes de qualquer coisa, da observação dos preceitos teóricos, que tem larga relevância sobre a ação fenomenológica em si. E para tanto, é imprescindível que o analista tenha passado pela experiência da análise para analisar, pois só se reconhece aquilo que já se conhece. Mas esta é outra tópica, que não é importante neste momento; por ora, quero dizer que Lacan termina este texto com a citação mesma de Freud (transcrita anteriormente), esclarecendo que a tentativa de padronização que ele intentou só pode ser feita nestes termos, de dizer que cada analista deve construir sua experiência em uma certa ignorância.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FREUD, Sigmund. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. Vol. XII, 1912. Versão digitalizada.
LACAN, Jacques. A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
MILLER, Jacques-Alain. Efectos terapéuticos rápidos: conversaciones clínicas con Jacques-Alain Miller en Barcelona. Buenos Aires: Paidós, 2005.